terça-feira, 4 de outubro de 2011

Epatáveis


Apesar de não termos ilusões quanto ao caráter das nossas elites, existia uma certa resistência a essa espécie de niilismo a que o Brasil nos leva. Os escândalos na área financeira estão acabando até com isso. Fica cada vez mais difícil espantar os burgueses. Os burgueses não se espantam com mais nada. Alguns talvez se surpreendam quando ouvem um filho pequeno ou um neto repetindo uma letra dos Mamonas, mas nestes casos o espanto é divertido, ou pelo menos resignado. A necessidade de se ser absolutamente claro sobre que tipos de atividade sexual causam AIDS e como fazer para preveni-la acabou com qualquer preocupação da imprensa e da propaganda com o pundonor (grande palavra) alheio, embora ainda façam alguns rodeios. A linguagem ficou mais leve, ficamos menos hipócritas. Burgueses epatáveis ainda existem, mas o acúmulo de agressões a seus ouvidos e pruridos os insensibilizou e hoje, se reagem, não é em público.

(VERÍSSIMO, L. F. CONLUIO. Porto Alegre: Extra Classe, junho/julho de 1996. p.3).

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Desabafo





Repleta de pensamentos confusos meus dias seguem sem rumo. Não tenho objetivo, tenho muitos sonhos, inúmeras aptidões e não consigo tomar decisões. Não traço metas e sem convicção muitos sonhos ficam pelo caminho. Será que todas as pessoas sabem o que querem ? Desejo fixar meu pensamento num projeto e manter-me positivamente firme, mas algo no caminho me desvia, perco o alvo, qualquer coisa consegue afastar-me das metas.
Depois, o sentimento de culpa invade minha alma, assola meu corpo e a tristeza me consome.
- Incapaz, incapaz, incapaz --- Uma voz interna grita, repete e joga-me ao chão pela verdade dita.
Sou incapaz, assumo o papel. Eu tenho cara de incapaz, o espelho não se ultraja em mostra-me o fato. Corpo de incapaz, gorda e curvada sigo como uma perdedora.  E, voz de incapaz, sem convicção e com medo de errar.
Como posso passar dias e dias pensando em coisas que nunca terei coragem de realizar ?
Desejo tanto mudar, saber qual meu lugar no universo e seguir meu sonho. Mas, qual meu principal objetivo?
Será que passei muito tempo da minha vida tentando fazer coisas com a intenção de agradar as outras pessoas e hoje não sei o que me agrada ?
Em qual esquina a felicidade se desviou de mim?
Leio. Leio todos os dias e não tenho com quem conversar uma linha sequer da minha leitura. Se porventura encontro a pessoa certa, as palavras fogem, o medo me domina e perco a oportunidade por culpa da dita timidez. Quanto saber jogado no vaso sanitário do meu cérebro.  Experiências empoeiradas nas prateleiras da minha incapacidade. E, eu aqui acuada, dentro de casa, com medo. Medo do mercado de trabalho, medo do trânsito, medo das pessoas, dos olhares críticos, dos julgamentos, da minha capacidade, medo da rejeição.
Meus diplomas em suas molduras douradas enfeitam as paredes do meu quarto e reforçam minha tristeza.
Realizei o sonho de muitos, terminei a faculdade, fiz especialização no exterior, diversos cursos etc. E, hoje sinto-me uma completa analfabeta, aliás, estaria menos triste caso fosse iletrada. Ao menos, teria uma justificativa social para minha incompetência pessoal.

domingo, 21 de março de 2010

Meus vazios


Ele estava ali, mas não havia espaço dele em mim. E, eu ocupo qual espaço entre o céu e a terra? Qual vazio preencho? Estou aqui oculta, incompreensível num eterno novo recomeçar, preenchendo conversas de conceitos, particularizando interesses, sofrendo rapidamente com as injustiças, agendando compromissos inadiáveis e dormindo cansada com a sensação de missão cumprida.

Ultimamente uma leve angústia me consome, me perturba e ascende um coração selvagem, um coração preso a soberba perfeição.

Será que parte de ti poderia remover esta angústia? Como posso estar em ti e não te sentir em mim? Sou oleosa, impenetrável e distante. Choro como quem não sente e se sinto logo continuo frivolamente viva, apesar de arder em pequenas mortes.

Ele me olha, será que conhece meu segredo vazio? Esse olhar me constrange, lança-me ao interior mundo abismal, por poucos segundos preciso de socorro. Até penso em desarmonizar esse vazio constante e imutável, agitar minhas noites com sentimentos cheias dele, mas o “eu” vazio, não aprendeu a te conter. Acostumei-me com vazios estóicos, pequenas satisfações fugazes de compadecimento e sentimentos.

E, sou feliz em mim sem conter, somente me aflige a leve angústia de não estar contida. Permaneço pela intranqüilidade dos que contém, aconselhando na instabilidade dos que sentem, na desilusão dos que amam intensamente e sentem ao perder parte de si quando outros se vão.

Ás vezes, desejo que me leias, escondido de mim, conheças meus vazios de tempos idos e meu eterno hoje. Quase sempre, suplico pela sua permanente estultice, qualidade dos que amam, dos que sentem, dos quem se preenchem.